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Aprendizagem Cooperativa: Educação em Bogotá

em quinta-feira, 24 de outubro, 2019

Existe um local singular em nosso mapa, repleto de diversidades, seja em âmbito de natureza e paisagens, seja em aspectos culturais. Solo que semeou Macondo e a vida dos Buendía, e que além de nos presentear com Gabriel García Márquez, nos brinda com lembranças que remetem ao cheiro de café, sem deixar, é claro, de nos trazer a imagem do emblemático Juan Valdez. Esse país, que é o maior produtor de esmeraldas do mundo, também tem muitas riquezas para nos apresentar em termos de ensino e educação. Nos últimos anos a Colômbia tem apresentado experiências positivas em relação ao setor educacional, com a implementação de práticas e metodologias bastante acessíveis.

 

O órgão responsável pela coordenação do sistema nacional de educação na Colômbia é o Ministério da Educação, sendo as secretarias do setor encarregadas da administração e supervisão. Em termos de estrutura, a educação formal é composta pela Pré-Escola, Educação Primária, Secundária e Educação Superior. A Educação Primária é obrigatória e gratuita, durando 05 anos. Já a Educação Secundária tem duração de 06 anos, sendo dividida em “básica” (6º a 9º ano) e “educação média vocacional” (10º e 11º ano). Esses dois últimos anos são necessários para que os estudantes possam receber o título de “bachiller académico” ou “bachiller técnico” – de acordo com a formação recebida – para que possam ingressar no Ensino Superior e ao mercado de trabalho.

 

De acordo com o último resultado do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), de 2015, a Colômbia alcançou o 57° lugar em Ciências, 54° em Leitura e 61° em Matemática. A prova foi aplicada em 70 países e direcionada para estudantes de quinze anos de idade. Apenas para trazer como referência, o Brasil se encontra na 63ª posição referente à avaliação em Ciências, 59ª relativa à Leitura e, por fim, 65ª em Matemática. É importante enfatizar que o conteúdo aqui escrito não tem a intenção de concentrar-se na realização de comparações entre países, visto que cada nação apresenta um conjunto próprio de características e circunstâncias, trilhando diferentes caminhos ou momentos. O intuito de apresentar os resultados relativos ao Brasil tem o objetivo de trazer nosso atual cenário educacional adjacente à discussão proposta nesse material, com fins de analisar práticas de sucesso implementadas na Colômbia e possível aplicabilidade em salas de aula brasileiras.

 

A educação colombiana está repleta de boas ações e pode nos oferecer uma gama de possibilidades. Um exemplo é a famosa “Escuela Nueva“, um modelo pedagógico que surgiu no país na década de oitenta, e que se estendeu para outras nações. O formato consiste em criar uma nova disposição e dinâmica no ambiente escolar, com salas de aula organizadas em círculos de aprendizagem, em um cenário que propicia a autonomia e participação dos estudantes. Inicialmente desenvolvido para melhorar a qualidade do ensino nas escolas rurais e multisseriadas da Colômbia, o modelo se adaptou a outros níveis educacionais e localidades. Um dos resultados encontrados no primeiro estudo internacional comparativo realizado pelo LLECE (Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação), em 1997, mostra que a educação rural na Colômbia alcançava o segundo lugar entre os países da América Latina e Caribe, no quesito de melhores resultados em matemática no 3° e 4° ano do ensino primário, além de evidenciar que seus resultados nessa disciplina superavam aqueles alcançados pelas áreas urbanas do país.

 

Outra iniciativa interessante a ser analisada em relação ao setor educacional na Colômbia diz respeito ao modelo desenvolvido pela Associación Alianza Educativa. Essa organização sem fins lucrativos é formada por quatro Instituições de Ensino – Universidad de los Andes, Colegio Los Nogales, Colegio San Carlos e Gimnasio la Montaña – que juntos unem esforços para levar educação de qualidade para as comunidades mais vulneráveis de Bogotá. A ideia surgiu quando os gestores da Alianza Educativa, na época incluindo o Colégio Nueva Granada, decidiram contribuir com o desenvolvimento da educação básica do setor público através da transferência de suas experiências, conhecimentos e boas práticas, para administração de, inicialmente, cinco colégios em zonas vulneráveis da capital colombiana. Atualmente a organização administra onze colégios de Bogotá. O modelo educativo implementado pela organização vai diretamente ao encontro da ideia de educação participativa, com foco no desenvolvimento da autonomia dos estudantes e na aprendizagem significativa, a partir de um ensino centrado no aluno com a utilização de metodologias ativas. De forma sucinta, pode-se dizer que o modelo incorpora didáticas compatíveis com um modelo construtivista, como a chamada aprendizagem cooperativa.

 

Em relação à nomenclatura dessa prática, e uma vez que também encontramos referências à “aprendizagem colaborativa”, é interessante citar que alguns autores se referem aos termos “cooperação” e “colaboração” como sinônimos, enquanto outros trazem a preocupação em distingui-los. Para Piaget, por exemplo, a “cooperação” consiste na construção de reciprocidade entre indivíduos, baseada na razão. Já a “colaboração” poderia ser definida como sendo uma interação em que, embora haja troca de ideias e pensamentos, não se baseia necessariamente em operações racionais ou em uma estrutura operatória. De qualquer forma, considera-se no presente texto que uma ação se relaciona constantemente com outra, criando um vínculo embasado na capacidade de relacionamento e respeito entre estudantes, seja para compartilhamento de informação e percepções, seja para o desenvolvimento de um produto ou resultado final. O importante é ressaltar o potencial da aprendizagem cooperativa para promoção de um ensino mais ativo, estimulando a relação entre alunos e professores, a reflexão e desconstrução de ideias pré-concebidas, o pensamento crítico e a capacidade de argumentação e negociação, além da capacidade de resolução de problemas. A aprendizagem cooperativa torna o ensino mais envolvente e propicia aos alunos o desenvolvimento de habilidades socioemocionais a partir da participação em atividades em grupo, que buscam trabalhar a empatia, colaboração e respeito em relação a diferentes modos de pensar e agir.

 

É exatamente no sentido de trazer à tona a ideia de respeito mútuo que a Associación Alianza Educativa também busca trabalhar com enfoque no reconhecimento e atenção às diferenças individuais de seus estudantes, objetivando abraçar a ideia de educação equitativa. Para isso estruturaram um programa chamado “Superaula”, com intuito de atender de forma individual e especializada estudantes que apresentam algum déficit ou dificuldade. Além da preocupação em atender as diferentes necessidades de seus alunos, a Alianza Educativa busca trabalhar a transversalidade de temas em sala de aula, a partir de projetos que enfocam aspectos como educação ambiental e direitos humanos, trazendo temas como a resolução pacífica de conflitos e prevenção do assédio nas escolas. A participação na política também é incentivada através do espaço que as escolas oferecem aos alunos para que façam parte de discussões e decisões que afetam a comunidade escolar.

 

Para reforçar o estímulo à participação, o modelo da Alianza Educativa trabalha com avaliações de “desempenho de exploração”, “esclarecimento” e “aplicação”, além de avaliações que se dirigem a analisar o trabalho em equipe, respeito e responsabilidade do estudante. Muitas das localidades onde estão os colégios administrados pela Alianza se caracterizam por estar abaixo da linha de pobreza, enfrentando diversos problemas sociais que afetam as comunidades do entorno. Entretanto, desde o momento em que a metodologia desenvolvida pela Associação passou a ser aplicada, focando a aprendizagem cooperativa e estimulando os estudantes, com o suporte necessário, a participarem mais ativamente em sala de aula, mostrou-se que é possível alcançar uma educação de qualidade no setor público, conquistando resultados importantes em termos de qualidade, permanência e convivência escolar. Isso permitiu aos colégios colocarem-se nos primeiros lugares nos rankings de Instituições Educativas públicas de Bogotá, conseguindo, no ano de 2017, ocupar os postos de 1°, 2°, 5°, 17° e 36° entre um total de 346 colégios avaliados.

 

A importância de metodologias como a aprendizagem cooperativa e modelos que fomentem a parceria e engajamento dos alunos é notável, embora nem sempre sua adequação ao ambiente escolar seja uma tarefa simples. Uma possível explicação para essa dificuldade poderia estar relacionada ao fato de estarmos condicionados a visualizar o modelo educacional dentro de padrões que privilegiam as potencialidades individuais dos estudantes, com foco em avaliações que, acima de tudo, inspiram comparações e possíveis rivalidades, ao invés de colaboração e cooperativismo. Esse formato educacional ao qual estamos familiarizados parece fazer com que muitas vezes os alunos se fechem ao novo e à opinião do outro, preferindo priorizar suas próprias convicções, sem nem ao menos testá-las ou serem capazes de desenvolver argumentações que possam embasá-las. É exatamente por motivos como esse que se faz cada vez mais urgente o desenvolvimento de práticas de ensino que permitam aos estudantes desenvolverem uma nova visão do ambiente escolar, como  um espaço em que ouvir a opinião do outro e estar aberto a pensamentos diferentes sejam processos bem vindos e naturais, capazes de gerar ideias ainda mais brilhantes do que aquelas pensadas individualmente.



por Cíntia Winter

Cíntia Winter é graduada em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Realizou estudos na área de História Econômica e Marketing
pela Universitat de Lleida (UdL), na Espanha. Além do interesse pela esfera administrativa, nutre (...)