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O papel da BNCC ante o descompasso da Educação no Brasil

em quarta-feira, 13 de novembro, 2019

Quando falamos sobre a educação de determinado país, trazemos à tona aspectos a respeito do próprio desenvolvimento local. A educação é o elemento base para que possamos construir uma sociedade plenamente desenvolvida, tanto em termos econômicos quanto sociais. É através do ensino e geração de conhecimento que se possibilita a formação de indivíduos capazes de trazer maiores resultados para o mercado de trabalho, fomentando o crescimento de indústrias e das mais diversas organizações estabelecidas na sociedade. É de extrema importância, entretanto, notarmos que a função da educação não deve estar atrelada somente ao conceito de crescimento econômico, ou seja, do incremento do PIB a partir da elevação de produção, mas sim ao pleno desenvolvimento econômico propriamente dito, elevando as condições de bem estar da população, o que inclui melhorias em termos de renda, saúde e dos mais diversos aspectos sociais. É nesse sentido que devemos compreender que as Instituições de Ensino têm uma função ainda mais abrangente que a transmissão de conhecimentos com caráter de formação de mão de obra qualificada. Além de difundir conhecimento com vistas a desenvolver trabalhadores com competências e habilidades específicas para atender as mais diversas exigências do mercado contemporâneo e assim, como citado acima, contribuir para o crescimento econômico da sociedade, é missão das Instituições de Ensino formar indivíduos capazes de compreender e exercer seu papel de cidadão. A oferta de uma formação cidadã permite fortalecer atitudes e comportamentos embasados no respeito às diferenças presentes em um ambiente de diversidade, sendo indispensável para o desenvolvimento de senso crítico e capacidade de discernimento enquanto a participação ativa desses estudantes como sujeitos de direito na construção e melhoria de condições em seu país, propiciando, dessa forma, o alcance do desenvolvimento econômico e social.

 

É diante dessa perspectiva que o conceito de “Educação Integral” se faz tão relevante para os fundamentos do ensino em nosso país. É importante ressaltar que, ao contrário do que muitos pensam, essa concepção de ensino não é o mesmo que “Educação em Tempo Integral”, no sentido de ampliação da jornada escolar, mas sim um conceito que se baseia na ideia de que o ensino deve garantir o desenvolvimento do indivíduo em todas as suas dimensões, sejam elas intelectual, cultural, afetiva, física ou social. Além disso, esse conceito eleva a educação ao patamar de projeto coletivo, a ser construído e compartilhado por estudantes, educadores, famílias e comunidades locais. Não se atinge, entretanto, o objetivo de uma educação integral sem a garantia de sua qualidade e equidade, ou seja, a oferta de conteúdos bem formulados e estruturados que sejam acessíveis a todos os estudantes, reconhecendo, entretanto, a singularidade e necessidade de cada um deles. É diante desse cenário que se faz relevante a discussão sobre a BNCC – Base Nacional Comum Curricular -, que traz em seu texto a afirmação de comprometimento com a educação integral no Brasil.

 

A BNCC é um documento de caráter normativo que objetiva traçar o conjunto de “aprendizagens essenciais” que todos os estudantes da Educação Básica devem desenvolver no decorrer de suas trajetórias escolares durante essa etapa – que abrange Ensino Infantil, Fundamental e Ensino Médio. O documento referente aos dois primeiros períodos foi homologado em 2017, sendo o trecho respectivo ao Ensino Médio, homologado em 2018. A “Base” tem seu marcos legais tanto em nossa Constituição Federal de 1988 – art. 210 -, como na LDB – art. 9°, inciso IV – que afirma o papel da União em “estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”. Além disso, o PNE (Plano Nacional de Educação), reitera a importância de uma base comum em sua meta número 7, dentre as 20 que estabelece para a política educacional no período entre 2014 a 2024. De forma sucinta, podemos dizer que a BNCC surge com o intuito de exercer sua função de base para a construção e formulação de currículos que tragam às diferentes escolas do Ensino Básico brasileiro, um patamar comum de conhecimentos e aprendizagens, garantindo que todos os alunos matriculados nessa etapa de ensino tenham a possibilidade de acesso aos conteúdos e informações necessários para seu pleno desenvolvimento como estudantes e cidadãos, reduzindo, dessa forma, os desníveis de ensino presente entre as diferentes escolas no Brasil. Nesse sentido é importante ressaltar que, além de nortear os currículos das escolas públicas e privadas da educação básica, a BNCC tem o objetivo de orientar as propostas pedagógicas, a formação de educadores, o conteúdo dos materiais didáticos, bem como as avaliações e exames nacionais. A Base Nacional apresenta, inicialmente, 10 competências gerais a serem desenvolvidas pelos estudantes, sendo elas relacionadas ao conhecimento historicamente construído, ao pensamento científico/crítico e criativo, ao repertório cultural, à comunicação, à cultura digital, ao trabalho e projeto de vida, a capacidade de argumentação, bem como à autogestão, desenvolvimento pessoal e social e, por fim, a responsabilidade e cidadania.

 

É extremamente importante nos atentarmos para o fato de que, apesar de estipular e orientar aspectos a serem definidos no Ensino Básico, a BNCC deixa espaço para que cada escola possa complementar seus currículos a partir da realidade local e seus aspectos sociais. A educação tem que fazer sentido para os estudantes, e é exatamente por esse motivo que deve existir flexibilidade suficiente para que as culturas e aspectos locais possam ser trabalhados em salas de aula. A extensão do Brasil e sua diversidade étnico-cultural se colocam como um grande desafio para a formulação de uma educação igualmente acessível a todos. Segundo dados do IBGE 2018, o Brasil apresenta uma taxa de analfabetismo de 6,8% – o que corresponde a 11,3 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabem ler/escrever ao menos um bilhete simples em seu próprio idioma, havendo ainda uma disparidade entre as diferentes regiões. Enquanto o índice de analfabetismo é de 3,47% no Sudeste, a região Nordeste apresenta uma taxa de 13,87%. Reduzir esses índices requer a análise dos diferentes desafios que cada uma das regiões de nosso país apresenta, sendo extremamente importante que, além da definição de objetivos comuns, a BNCC apresente a flexibilidade que é proposta por sua “parte diversificada”.

 

Em termos de estrutura no que diz respeito ao Ensino Infantil, a BNCC busca assegurar 06 direitos de aprendizagem e desenvolvimento às crianças, sendo eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Além disso, são estipulados 05 campos de experiência para os alunos, em que cada um deles engloba diferentes objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Já em relação ao Ensino Fundamental, são estabelecidas como padrão 05 áreas de conhecimento, sendo que cada uma delas apresenta um conjunto de competências específicas a serem desenvolvidas. Em segundo momento, são estabelecidos os componentes curriculares de cada uma das respectivas áreas, estando assim relacionados: Área de Linguagens – componentes curriculares de Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa¹ -, Área de Matemática – componente curricular de Matemática -, Área de Ciências da Natureza – componente curricular de Ciências -, Área de Ciências Humanas – componentes curriculares de Geografia e História – e, por fim, Área de Ensino Religioso, com componente curricular de mesmo nome. Por fim, vale citar que cada um dos componentes curriculares está atrelado também a um novo conjunto de competências e habilidades.

 

A estrutura da BNCC para o Ensino Médio segue um padrão similar, sendo definidas 04 áreas de conhecimentos: Linguagens e suas Tecnologias (Arte, Educação Física, Língua Inglesa e Portuguesa), Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Biologia, Física e Química), e, por fim, Ciências Humanas e Sociais aplicadas (História, Geografia, Sociologia e Filosofia). Cada uma dessas áreas está atrelada às competências específicas e nesse caso, já diretamente às habilidades a serem desenvolvidas em cada área. Ou seja, enquanto a BNCC relativa ao Ensino Fundamental fixa objetivos de aprendizagem tanto por área de conhecimento, quanto por componente curricular para cada ano da etapa, o trecho respectivo ao Ensino Médio apresenta esse nível de detalhamento apenas para os componentes de Língua Portuguesa e Matemática – únicas disciplinas que são consideradas como obrigatórias durante os três anos da etapa – estando as demais habilidades organizadas por área.

 

A organização do conhecimento por áreas está relacionada ao intuito de se criar um cenário de aprendizagem transversal, em que os conteúdos de diversos setores se relacionam, permitindo diferentes contextualizações para os estudantes e gerando a necessidade de colaboração entres educadores. Esse é, entretanto, um dos aspectos com o qual se deve estar atento, uma vez que uma mudança como essa nas estruturas de ensino deve ser acompanhada da criação e desenvolvimento de novas formas de funcionamento das escolas, bem como na formação dos docentes. A BNCC, embora seja muito bem avaliada por alguns especialistas, também tem sido fonte de diversas discussões e críticas por aspectos como o citado acima. Termos uma base comum norteando a Educação Básica pode ser, de fato, um primeiro passo para alavancarmos o ensino no Brasil, mas se não implementada com o devido suporte necessário, tanto em termos de estrutura escolar, investimento por aluno, formação continuada de professores, e colaboração entre União, estados e municípios, a alteração do currículo não trará efeito algum na luta pela redução das desigualdades educacionais. Outra crítica importante a se destacar sobre a BNCC diz respeito à minúcia com que descreve as habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes, parecendo, segundo alguns especialistas, ir de encontro aos interesses mercadológicos, abraçando mais fortemente a ideia de formação de mão de obra qualificada que o intuito de transmissão de conhecimento para formação cidadã. Como abordado inicialmente nesse texto, é de suma importância que ambas “formações” estejam alinhadas e que uma não se sobressaia sobre outra para que possamos alcançar o pleno desenvolvimento, tanto dos estudantes quanto, consequentemente, de nossa sociedade. De nada adianta indivíduos capazes de gerar melhores resultados no mercado de trabalho se não compreendem aspectos relacionados à ética e ao respeito com aqueles ao seu redor, bem como se não entendem como podem atuar como sujeitos de direito na construção de um país mais avançado política, econômica e socialmente. É nesse sentido que cabe a todos nós estarmos atentos ao papel da BNCC e ao desenvolvimento de competências que se mostram direcionadas ao respeito das liberdades civis, à justiça social, cooperação, cidadania e sustentabilidade, bem como na trajetória de sua implementação e resultados.

 

NOTA: ¹ Em relação ao Ensino Fundamental, o componente curricular de Língua Inglesa é apresentado como obrigatório apenas a partir do II Ciclo dessa etapa. 



por Cíntia Winter

Cíntia Winter é graduada em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Realizou estudos na área de História Econômica e Marketing
pela Universitat de Lleida (UdL), na Espanha. Além do interesse pela esfera administrativa, nutre (...)