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A evolução do ensino no Brasil: Para qual caminho se direciona nossa educação?

em terça-feira, 15 de outubro, 2019

Embora as discussões a respeito da educação estejam bastante acirradas no Brasil ultimamente, o tema já vem sendo centro de inúmeros debates mundo afora durante séculos. O ensino em nosso país passou por diferentes adaptações e contrariedades desde o período colonial até os dias atuais. Por muito tempo o ensino foi visto como sinônimo de catequização, e os indígenas eram o foco dos esforços educacionais da Companhia de Jesus – ordem missionária católica – em terras tupiniquins. Nas chamadas Casas de Bê-á-Bá (ou Confraria de Meninos), eram transmitidos, em uma concepção evangelizadora, os rudimentos do ler e escrever aos meninos indígenas e também a alguns órfãos portugueses, que tinham o papel de facilitar o processo de doutrinação dos locais. Como forma de regulamentar a ação educativa da ordem jesuítica, foi estabelecido, em 1599, o chamado Ratio Studiorum, documento com mais de 400 regras que objetivava instruir jesuítas sobre os deveres e obrigações de sua posição nos diferentes locais em que atuavam.

Em Portugal, durante o reinado de D. José I e a nomeação de seu secretário de Estado, que viria a ser conhecido como o Marquês de Pombal, inicia-se uma investida no sentido de transformação do país a partir das “Reformas Pombalinas”, marcando profundamente a direção do ensino em sua colônia brasileira. Em 1759 o Marquês de Pombal decreta a expulsão dos jesuítas das terras lusitanas e de seus domínios, o que leva ao afastamento dos missionários no Brasil, abrindo uma nova lacuna a ser preenchida na esfera do ensino e educação brasileira. As reformas estabelecidas pelo Marquês deram lugar às chamadas “Aulas Régias”, deixando a educação de ser considerada responsabilidade da Igreja e consolidando-se assim o primeiro formato de um sistema de ensino público no Brasil. Na prática, entretanto, a situação educacional em nosso país não caminhou de maneira tão prodigiosa como se esperava. O primeiro concurso para professores foi realizado em 1760, sendo que não havia exigência de uma formação específica para exercer a função que era bastante cobrada e pouco remunerada. Ademais, a ideia de uma educação popular tampouco tomou forma, restringindo-se às elites locais.

Com a chegada da família real em terras brasileiras houve um impulso ao desenvolvimento cultural em nosso país e, com o passar do tempo e o enfraquecimento político-econômico de Portugal, a conquista da autonomia brasileira se aproximava e nos direcionava a Independência em 1822. A formulação de nossa primeira Constituição, de 1824, estabeleceu que a educação primária deveria ser gratuita para todos os cidadãos, condição que viria a ser garantida através da Lei Geral de 1827. De acordo com essa lei, que foi a primeira a tratar sobre o ensino elementar no Brasil, é definido a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades e vilas, além de escolas de meninas naquelas que fossem mais populosas. É durante esse período que o “Método Lancaster” passa a orientar as salas de aula em nosso país, objetivando orientar o ensino voltado a um grande número de alunos, com a utilização de poucos recursos, através de métodos de memorização e repetições. Ainda, em 1834, um ato adicional na Constituição estabeleceu que as províncias deveriam ter poder para definir as regras educacionais em seus territórios, no que dizia respeito ao ensino primário e secundário. Em 1835, com a criação das chamadas “Escolas Normais”, voltadas à formação dos professores do ensino elementar, o processo de contratação de docentes torna-se mais rigoroso, embora os salários continuassem sendo considerados baixos. De forma sucinta, pode-se dizer que por mais que tenha ocorrido uma tentativa de alavancar o ensino em nosso país durante o período imperial, os resultados ainda estavam distantes do sucesso, com um número restrito de matriculados em nossas escolas, professores pouco valorizados e métodos de ensino inadequados às condições específicas do país.

Durante a Primeira República no Brasil, e com a nova Constituição de 1891, os caminhos para o avanço na Educação brasileira se mostraram tortuosos. A nova Carta Constitucional isentava o Estado da obrigatoriedade de fornecer a educação primária. Com a ausência de uma orientação nacional em relação à educação, surgem diversas propostas de reformas de cunho educacional no Brasil, como as Reformas de Benjamin Constant e de Sampaio Dória. É a partir da década de 1920, entretanto, que as reformas mais modernas ganham espaço no cenário brasileiro, a citar o Movimento Escolanovista, que buscava a renovação do ensino no Brasil. Durante esse período, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” e a Constituição de 1934 traçam as linhas do que viria a ser o plano nacional de educação brasileiro, porém um novo retrocesso ganha espaço no setor com a Carta Constitucional de 1937. É somente com o texto de 1946 que as propostas de 1934 são restauradas e a União passa a ter a função de legislar sobre as bases da Educação.

A direção para a estruturação do ensino brasileiro se mantinha claudicante, passando por diferentes modificações enquanto buscava alcançar seu desenvolvimento. Com a instalação da Ditadura Militar, a partir de 1964, as críticas em relação às políticas educacionais e ao governo, de forma geral, não eram bem vindas. Vê-se o banimento de organizações estudantis como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a “Reforma Universitária”, com a qual se objetivava desmembrar as Faculdades de Filosofia, Ciência e Letras. A Constituição de 1967, embora firmasse a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, trazia pouco para a educação e seu desenvolvimento, e a Emenda Constitucional de 1969 tampouco trouxe grandes alterações nos dispositivos que diziam respeito à educação. O tecnicismo passa a nortear as Instituições de Ensino no Brasil, em uma linha muito menos focada no ato de reflexão ou pensamento crítico. A Lei nº 5540/1968 estabeleceu as normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, extinguindo a cátedra e consolidando a estrutura departamental. Houve, durante esse período, uma forte repressão político-ideológica e um sólido controle do Estado Militar sobre o Ensino.

Posteriormente, com a retomada democrática, a educação volta a trilhar os caminhos para o alcance de seu desenvolvimento, sendo reconhecida, na Constituição de 1988, como um direito de todos e um dever do Estado. A declaração do direito à educação se apresenta de forma bastante detalhada, prevendo, inclusive, instrumentos jurídicos para garantir tal direito. É no governo de Fernando Henrique Cardoso que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB de 1996) é promulgada, bem como é concebido o Fundef – posteriormente substituído pelo Fundeb. Data-se também desse período a inclusão do Brasil no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e a criação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Em 2007, já durante o governo Lula, é criado o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), objetivando o monitoramento do sistema de ensino do país. É através de dados fornecidos por meio de índices como o Ideb e tantas outras avaliações – de cunho nacional e internacional – que podemos realizar análises e nos conscientizarmos a respeito das condições e evolução do ensino brasileiro. Podemos, consequentemente, constatar que embora tenhamos avançado em comparação ao cenário educacional que tínhamos antigamente, ainda falta muito para que possamos alcançar uma educação de qualidade e que seja, de fato, acessível a todos. No ano de 2014 foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE), que objetivando melhorias e investimentos no setor, trouxe metas e estratégias para os próximos dez anos, embora ainda se apresentem de maneira tênue e em ritmo lento. Para atingirmos a meta de uma educação de qualidade, precisamos, primeiramente, que a atenção para com as políticas educacionais em nosso país seja maior que os interesses de curto prazo de governos específicos, independentemente de qual espectro político representem. É também preciso que o meio político compreenda que as Instituições de Ensino não são meios de controle do Estado, mas sim comunidades científicas que visam à formação e desenvolvimento intelectual de seus alunos, para que possamos ter uma sociedade mais consciente e ativa política e socialmente.

Tentativas governamentais de reduzir a autonomia de Instituições de Ensino ou de interferir em seus currículos de maneira a priorizar determinado aspecto ideológico é claramente uma demonstração de receio em relação à capacidade de empoderamento e conscientização que a educação oferece como ferramenta para driblar os interesses políticos. Pudemos observar com melhor nitidez a configuração de um cenário como esse durante o período da ditadura em nosso país, embora atualmente paire no ar político certa melancolia, dando a impressão de um forte desejo em relembrar ou reviver esse passado. O atual governo parece considerar as Instituições de Ensino como representações do “inimigo”, propagadoras de “ideias marxistas” e de tudo que considera contrário aos seus princípios. Parece mais plausível a ideia de que todas essas afirmações são utilizadas para causar uma espécie de enfraquecimento daquilo que é, conforme já citado anteriormente, o elemento primordial para o desenvolvimento de senso crítico em uma sociedade: a educação. Atitudes como o corte de verbas do ensino superior, apresentada inicialmente sem nenhuma base ou argumento razoável, congelando pesquisas e estudos de suma importância é a demonstração de que precisamos nos manter alertas com relação ao rumo que vem sendo dado ao setor educacional em nosso país. O atual descaso com o ensino no Brasil pode ser visto quando o Ministério que trata a respeito do tema é representado por ministros que demonstram total desconhecimento e falta de preparo em relação ao assunto que administram. Não necessitamos de uma volta ao tempo para sermos “catequizados” nas casas de Bê-á-Bá, nem objetivamos o retorno e “aperfeiçoamento” de um “Modelo Lancaster 4.0” para transformarmos nossos estudantes em câmaras de eco propagando as ideologias pré-determinadas pelo governo, seja ele qual for, dentro do ambiente acadêmico. Necessitamos de um sistema de ensino que valorize o conhecimento, a cultura e reflexão, e não a “disciplinarização” ou massificação dentro das comunidades acadêmicas. A educação necessita e deve acompanhar a evolução ao seu redor. É hora de, finalmente, depois de tantas lutas na história da educação brasileira, valorizarmos os professores. É hora de tornarmos, de fato, o ensino acessível a todos os jovens, de se realizar uma transformação sistêmica nos processos de aprendizagem, atualizando os métodos de ensino para a realidade em que vivemos. É hora, por fim, de entendermos de uma vez por todas que sem educação jamais seremos um país plenamente desenvolvido e jamais seremos uma sociedade com capacidade de discernimento frente ao crescente avanço de políticas sectárias. Resta sabermos para onde a educação brasileira está se direcionando: estamos realmente evoluindo ou estamos voltando no tempo?



por Cíntia Winter

Cíntia Winter é graduada em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Realizou estudos na área de História Econômica e Marketing
pela Universitat de Lleida (UdL), na Espanha. Além do interesse pela esfera administrativa, nutre (...)